domingo, 14 de novembro de 2010

JT condena CEF por receber frutos de má fé ao sonegar pagamento de horas extras a empregada

A Vara do Trabalho de Itajubá, por decisão do seu juiz titular, Edmar Souza Salgado, condenou a Caixa Econômica Federal a pagar a uma ocupante de cargo comissionado na instituição, uma indenização pelos frutos decorrentes da posse de má-fé do resultado do trabalho da empregada, isto é, por reter e obter lucros com as verbas trabalhistas devidas a ela.

Na sentença, o juiz reconheceu a natureza salarial da parcela “Complemento Temporário Variável Ajuste de Mercado” – CTVA, determinando sua incorporação à remuneração da reclamante para todos os efeitos. (A verba CTVA é uma espécie de reconstituição salarial, destinada a assegurar aos ocupantes de cargos de confiança uma gratificação mínima, de acordo com os valores praticados pelas demais instituições financeiras, criando, assim, um “piso salarial de mercado”.) A Caixa foi condenada ainda a pagar horas extras sonegadas e a permitir que a reclamante registre corretamente seus horários de entrada e saída, sob pena de multa mensal de R$ 3.000,00.

Analisando o comportamento da empregadora, ao não adotar o registro de jornada adequado e ao reter valores relativos às verbas trabalhistas devidas à empregada, o juiz entendeu aplicar-se ao caso o artigo 1.216 do Novo Código Civil, pelo qual “o possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé.” .
Para o magistrado, o não pagamento das verbas trabalhistas, especialmente das horas extras, que a empregadora sabia devidas, foi resultado do comportamento ardiloso da ré, que agiu com má-fé, pois estava absolutamente consciente da irregularidade da sua atitude e, mesmo assim, preferiu protelar o pagamento, enquanto obtinha lucros com esse mesmo dinheiro emprestado a juros aos seus clientes.

Ele chama a atenção para o fato de que esse comportamento vem sendo assumido por alguns empregadores que, tirando proveito do reduzido quadro de auditores responsáveis pela fiscalização das relações de trabalho, optam por deixar de pagar determinados direitos e esperar que o empregado recorra à Justiça. Só que a maior parte desses empregados não reclamam os seus direitos judicialmente, por medo de serem incluídos em “listas negras”, que dificultariam o seu retorno ao mercado. E, como essas ações, em geral, só são propostas ao fim do contrato, os empregadores são ainda mais beneficiados, porque, até lá, vários desses direitos já terão sido colhidos pela prescrição parcial (o empregado só pode reclamar direitos relativos aos últimos cinco anos do contrato de trabalho).

Por isso, segundo o magistrado, há casos de empresas que, apesar de reiteradas condenações num mesmo sentido, calculam a relação custo-benefício entre cumprir adequadamente a legislação trabalhistas ou suportar eventual condenação. E, geralmente, concluem ser mais vantajoso suportar a execução trabalhista com seus modestos juros, aplicando esse valor em transações financeiras de alta rentabilidade. Assim, procuram ainda retardar ao máximo os processos nos quais são parte, pois, a cada ano, mantidas as mesmas taxas, os lucros serão maiores.

“Imensa a tentação: não pagar agora para pagar somente ao final tão somente aquilo que desde o início sabia-se devido e tão somente em relação aos empregados que acionarem judicialmente, com grande parte de seu direito corroído pela prescrição e diante de taxas de juros irrisórias frente àquelas praticadas pelo mercado” , resume o juiz, acrescentando que, com isso, a empresa passa se beneficiar do sua própria torpeza e lucra mais ainda com a lentidão do Judiciário, seguindo uma lógica perversa, pela qual uma ação é muito menos um mal do que uma vantagem a ser explorada.

Assim, considerando que a reclamada, de má-fé, reteve valor devido pelo trabalho da reclamante e com ele auferiu significativos lucros, o juiz entendeu que a condenação da Caixa ao pagamento de uma indenização correspondente aos ganhos obtidos é, mais que uma consequência legal e justa, uma questão moral e ética. Além dos juros de mora estabelecidos em lei, a CEF pagará ainda o percentual de 4% ao mês, totalizando 5% sobre as parcelas decorrentes da condenação. Esse percentual foi obtido a partir de cálculos, nos quais se apurou a diferença entre as taxas de juros cobradas pelas instituições financeiras nos empréstimos e demais investimentos bancários e aquelas pagas ao cliente investidor, deduzindo-se todos os custos operacionais, ou seja, o lucro líquido do banco sobre o valor indevidamente retido.

( nº 00196-2010-061-03-00-6 )

COMENTÁRIO: A decisão do juiz Edmar Souza Salgado é elogiável pelo alcance social da interpretação dada ao caso (LICC, art. 5o.), com aplicação do art. 1.216 do CC/2002 como fundamento maior da decisão.

Entretanto, é importante ressaltar que o art. 1.216 do CC/2002 regula os efeitos da posse, instituto do direito das coisas relacionado com os direitos de propriedade. Nunca é demais lembrar que a posse é um dos meios de aquisição da propriedade.

Os direitos trabalhistas não podem receber o mesmo tratamento dispensando pela lei civil aos direitos de propriedade, em especial a posse. Há uma grande diferença conceitual e principiológica entre os institutos, com uma gama enorme de incongruências para uma aplicação prática.

Os frutos obtidos com as verbas trabalhistas suprimidas não são os mesmos frutos que a empregada delas obteria se as tivesse recebido na data certa. Nesse ponto, a decisão subverte o instituto e trata os frutos de forma contraditória, com o fato e com a lei. O fruto decorrente da verba trabalhista não é exatamente aquele decorrente do emprego desses valores na atividade produtiva do empregador (no caso, aplicação no mercado financeiro).

Se o possuidor de má-fé de um imóvel aufere os alugueres dele decorrentes, são os alugueres os frutos indevidamente percebidos. Situação diversa será a percepção dos lucros financeiros típicos da atividade exercida pela empresa em lugar dos frutos que a empregada obteria com o mesmo valor, muito provavelmente em alguma aplicação financeira ou investimento de capital, para ficar nesses exemplos.

Há aqui uma incorreta e contraditória aplicação do art. 1.216 do CC/2002.

Por outro lado, não é segredo para os que militam na Justiça do Trabalho, em especial os juízes, advogados de reclamantes e procuradores do trabalho, de que bancos e muitas outras grandes corporações, com forte poderio técnico e econômico, exercem forte pressão sobre seus e ex-empregados que se dirigem às Varas do Trabalho em busca do reconhecimento de seus direitos violados.

Esse modelo, também não há mistério, consiste em práticas de imposição de medo, elaboração constante de listas negras e demissões forçadas, tudo com o objetivo (não declarado) de obter o máximo da força de trabalho de quem labora para tais corporações. É prática corrente, cotidiana, perversa e, ao mesmo tempo, não declarada e dificilmente provada nos autos de um processo judicial.

Uns poderão chamar o magistrado de um Robin Hood. Outros, de um Capitão Nascimento (do filme Tropa de Elite), pois representa aquele que usa de quaisquer meios à sua disposição para obter um resultado que seja eficaz e efetivo para equilibrar essa balança de injustiças que marcam a relação do capital com o trabalho.

Este é um dos dilemas cotidianos dos juízes do trabalho, dilema este que lhes custa muito caro, pois a sociedade tem certa dificuldade em compreender que a Justiça do Trabalho trata de um ramo do Direito específico, cujas bases principiológicas e ideológicas são baseadas na provocação de um desequilíbrio jurídico que permita equilibrar a relação capital trabalho (ideal de igualdade material). 

Eu não me atrevo a apontar o dedo para o magistrado desse caso. Minha única função nesta postagem é ressaltar que, do ponto de vista técnico-jurídico, a fundamentação é forçada e subverte o instituto jurídico da posse para dar-lhe uma aplicação que é impópria: os direitos trabalhistas dos empregados que reclamam em juízo.

Fica a ressalva do entendimento e das peculiaridades da 'fatispecie' noticiada nesta postagem, pois, numa interpretação inteiramente focada no art. 5o. da LICC, essa decisão revela extrema eficácia social em benefício do empregado que detém créditos de natureza alimentar (CF, art. 100).

No aspecto social, PARABÉNS AO JUIZ EDMAR SOUZA SALGADO !!!

2 comentários:

  1. Vinícius de Miranda Taveira2 de dezembro de 2010 às 23:28

    Olá, meu caro.

    Apesar de respeitar muito suas opiniões, sempre bem articuladas e fundamentadas, tomo a liberdade, com todo respeito, de não concordar completamente com seu posicionamento, mesmo sabendo que você está acompanhado da ampla maioria da jurisprudência trabalhista.

    Entendo que o juiz mineiro teve razão ao impor a condenação de restituir os frutos civis (juros) obtidos durante o período de posse de má-fé. Não só pela função social que jurisdição trabalhista deve exercer, mas também pelos fundamentos lógicos da decisão.

    Com efeito, apesar de a legislação trabalhista estabelecer a incidência de correção monetária e juros moratórios, entendo que isso não impede a aplicação do 1.216 do Código Civil, por se tratarem de institutos diversos com finalidades que não se confundem.

    A correção monetária visa repor a perda do valor real decorrente da inflação e os juros moratórios de 1% ao mês visam remunerar pela mora, enquanto que, por seu turno, a responsabilidade imposta pelo 1.216 do NCC tem duplo fim: evitar o enriquecimento ilícito do possuído de má-fé e sua responsabilização pelos danos emergentes.

    Na primeira parte do dispositivo, impõe-se ao possuidor de má-fé o dever de entregar ao proprietário todos os frutos percebidos durante a posse ilegítima, com o fim de evitar o enriquecimento ilícito do possuidor de má-fé.

    Aqui, é importante ressaltar que o legislador não exige a comprovação de prejuízo do proprietário como requisito para a responsabilização, mas apenas a percepção de frutos pelo possuidor de má-fé.

    Neste ponto, a intenção da norma não é impor a indenização pelos prejuízos sofridos pelo proprietário, mas evitar o enriquecimento ilícito do possuidor de má-fé.

    Perceber-se que houve uma ponderação de interesses pelo legislador, pois, entre o enriquecimento ilícito do possuidor de má-fé e o enriquecimento sem causa do proprietário que teve sua posse violada, o legislador preferiu o ganho pelo proprietário, evitando, assim que aquele se beneficie ilicitamente.

    Assim, em tais hipóteses, o possuidor de má-fé deve entregar os frutos para que não se enriqueça ilicitamente, ainda que isso gere enriquecimento aparentemente sem causa ao proprietário.

    E na parte final do dispositivo, a norma obriga o possuidor de má-fé a indenizar os danos emergentes experimentados pelo proprietário. O que, evidentemente, não impede a responsabilização também dos lucros cessantes, eventualmente devidos.

    Sendo assim, pelo fato de a correção monetária, os juros e a responsabilização do art. 1.216 do NCC serem institutos diversos, com finalidades diferentes, não há que se falar em “bis in idem”.

    Ademais, tal norma civilista mostra-se totalmente aplicável ao direito do trabalho, uma vez que existe lacuna normativa na legislação laboral, além de ser totalmente compatível aos princípios do direito do trabalho. Especialmente pelo fato de coibir condutas abusivas que muitos bancos e instituições financeiras praticam, deixando de cumprir com seus deveres sociais perante os trabalhadores.

    No caso julgado, a executada manteve-se com a posse do dinheiro (bem móvel fungível) durante todo o tempo do processo, obtendo ganhos expressivos com a cobrança de juros de seus consumidores, sendo, portanto, aplicável a norma prevista pelo artigo 1.216 do Código Civil.

    Essa é minha humilde opinião.
    Parabéns pela inciativa! Sucesso!

    ResponderExcluir
  2. Oi Vinícius!
    Obrigado pela postagem, meu caro. Acho fundamental esse debate acerca das postagens e dos comentários, aliás, foi essa a proposta do blog. Agora fica o registro e podemos voltar ao assunto na hora que for necessário, sem perder nadinha dos argumentos.
    Quanto ao aspecto jurídico do comentário e da postagem, remeto você ao final dos meus comentários, pois acredito que a decisão traz consigo um dilema: o respeito à estrita técnica jurídica em direito material 'x' a finalidade social da norma jurídica.
    Independentemente de nossas opiniões, se favoráveis ou não à decisão do juiz do TRT3, é importante que tenhamos em mente que a verba trabalhista não é um direito de propriedade. Ao menos não na dicção do art. 1225 do CC/2002, que elenca a propriedade como um direito real.
    Concordo em parte com você. E exatamente de forma inversa ao seu raciocínio, pois, onde você enxerga a possibilidade de aplicação deste artigo do CC/2002, entendo que a interpretação força a aplicação do instituto do direito das coisas, as noções de posse e de propriedade.
    Contudo, fica o alerta de ordem técnico-jurídica para que se faça uma ressalva para o examinador, caso o tema seja objeto de questão de prova nos concursos.

    ResponderExcluir